O primeiro ano da terceira intervenção externa em Portugal nos últimos
30 anos terminou ontem com um misto de resultados. O país cumpriu 75%
das medidas acordadas até agora, não alterou metas orçamentais, nem
pediu mais dinheiro. Os portugueses passaram a saber o que é um
memorando de entendimento, quem é Poul Thomson ou a usar a palavra
troika em modo (re)corrente.
Do lado dos credores externos, Portugal
recebe elogios: «notável» ajustamento, «mais era impossível» ou
«progresso considerável» nas reformas estruturais, tal como se pode ler
nos documentos da terceira revisão da Comissão Europeia, divulgados esta
semana. Da parte dos investidores, a história é outra: juros da dívida
pública acima de 10% em todos os prazos, o dobro do cobrado à Irlanda – o
outro ‘bom aluno’ intervencionado pela troika. Um segundo resgate e a
reestruturação da dívida são dados como certos pelo mercado. Contas
feitas, Portugal foi aprovado por quem lhe empresta dinheiro hoje, mas
está longe de convencer quem irá financiar o país no futuro.
O
impacto de um ano de troika na economia foi violento e está cheio de
superlativos. Portugal vive a recessão mais profunda da democracia
(queda do PIB de 4,8% entre 2011 e 2012) com o consumo, investimento e
confiança de famílias e empresas a registarem quedas e mínimos
históricos. O desemprego e a dívida pública dispararam para máximos
nunca vistos: o primeiro abrange 15% da população e 35% dos mais jovens,
o segundo chegará a 115% do PIB, em 2013. Num ano, o país vendeu 3,3
mil milhões de euros de activos estratégicos na energia (EDP e REN) e
prepara-se para desfazer-se de empresas de transporte, serviços postais e
águas. A banca está ligada à ‘máquina’ do Banco Central Europeu (BCE),
que já lhe emprestou cerca de 47 mil milhões de euros.
«O segundo
ano será tão importante como o primeiro, mas será decisivo na inversão
de queda da economia, na consolidação orçamental sustentada e nas
reformas estruturais para a retoma do crescimento», diz ao SOL Abel
Mateus, especialista em política monetária e ex-presidente da Autoridade
da Concorrência (AdC).
Portugal arranca para o segundo ano com a
troika com vários ‘perigos’ no horizonte. Depois da Grécia e da
indefinição dos líderes europeus, 2012 será marcado pelos efeitos da
crise em Espanha e o desemprego, segundo os credores externos. Deixaram
isso claro na última revisão, ao sublinhar que as exportações vão
crescer 2% em 2012, metade do previsto há três meses, com «o
enfraquecimento da economia europeia a começar a ter efeitos em
Portugal».
Espanha, para onde vão 25% das vendas nacionais, estará
em recessão em 2012, os juros do país vizinho são já superiores aos
italianos e o Citigroup veio dizer, esta semana, que Madrid será
resgatada até final do ano.
O desemprego, cuja taxa a troika prevê
de 14,4%, em 2012, e o Eurostat diz estar já em 15%, em Fevereiro,
assume-se como um dos principais candidatos a provocar uma derrapagem
orçamental nas metas do défice que este ano terá de atingir os 4,5% do
PIB português.
O balanço deste primeiro ano não é consensual. «Há
alguém para além do ministro Vítor Gaspar que faça uma avaliação
positiva desta democracia limitada, de liberalismo tributário e da venda
de património ao desbarato?» questiona ao SOL António Carlos dos
Santos, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Sousa Franco e
que exerceu cargos na Comissão Europeia e Banco Mundial.
Doze
meses é também pouco para se tirar qualquer conclusão sobre o futuro. Um
ano após serem resgatadas e durante a terceira revisão, também a Grécia
e a Irlanda foram elogiadas pela troika pelas reformas e andamento do
seu programa. Nos meses seguintes, Atenas viu os juros da dívida
triplicar, a economia ficar em pré-falência e foi obrigada a pedir um
segundo resgate. Dublin, por seu lado, colocou os juros ao nível dos
espanhóis e italianos e está a lançar medidas para o crescimento. O
tempo dirá qual dos dois caminhos Portugal percorreu.
«SOL»
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