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sábado, 25 de agosto de 2012

Associação de Trabalhadores Rurais de Alpiarça


Por José João Pais
 
Centenário do 1º. Congresso dos Trabalhadores Rurais e das greves de 1911 e 1912 (parte 2).

.Referimos no artigo anterior a formação da Associação de Trabalhadores Rurais de Alpiarça e a sua presença no 1º Congresso dos Trabalhadores Rurais realizado em Évora nos dias 25 e 26 de Agosto de 1912. Vamos agora abordar a greves realizadas em Setembro de 1912 na freguesia de Alpiarça.
Como seria de esperar, a Associação começa a substituir os grupos desorganizados de trabalhadores nas reuniões com os lavradores para tratar de assuntos respeitantes à sua actividade. Era uma situação ainda pouco, ou nada, enraizada nos hábitos dos trabalhadores, o que, como veremos, leva a algumas incompreensões.
As duas grandes preocupações nas negociações eram o horário de trabalho e a jorna a receber.
A primeira prova de fogo para a nova associação decorreu em 1912. Não terminou da melhor forma para os trabalhadores rurais, como iremos ver.
Em 22 de Setembro de 1912 tem lugar uma reunião entre membros da Associação de Trabalhadores e os lavradores José Malhou e Jacinto Falcão, representantes dos proprietários. O tema da discussão centra-se em duas reivindicações reclamadas pelos rurais: aumentos salariais e um novo horário de trabalho. Era um assunto que já vinha a ser abordado à mais de um ano sem qualquer resultado prático. Por isso se marcara uma greve que decorria no mesmo momento em que se iniciaram as negociações. Era uma forma de pressão que não agradou aos proprietários. Estas movimentações acabam por ser marcadas por diversos incidentes.
Melhor do aquilo que eu possa dizer, será melhor darmos atenção ao que escreve sobre o assunto José Nunes Cebola, Presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais e que está presente na reunião com os representantes dos lavradores. É a História em directo e na 1ª pessoa, daí a sua importância neste momento, passados 100 anos. A carta que passamos a transcrever encontra-se arquivada no arquivo da Camara Municipal de Alpiarça.
Sobre o que se passou à mesa das conversações e os incidentes que se sucederam, refere José Nunes Cebola:
“O preço mínimo das jornas que ficara assente seria, para os lavradores 300 réis e para os seareiros ou pequenos lavradores 240. Nos serviços de lagar, onde se recebia de 280 a 320 réis, ficaria sendo de 380, e a despega desse serviço, que era às 24 horas, ficaria sendo às 22 horas. Ficou ainda assente que todos os lavradores deviam preferir os trabalhadores da terra.
Tudo assim ficou assente, e à sexta-feira dessa semana todos retomaram os serviços muito satisfeitos. Mas à noite, correndo o boato que os srs. lavradores se tinham negado ao que tinham tratado com os trabalhadores, homens e mulheres levantaram-se em massa, tocando os sinos a rebate e dirigindo-se à presença do sr. António Vinagre, Administrador do concelho de Almeirim, que ainda se achava no prédio Leal (lembremos, mais uma vez, que Alpiarça era então freguesia do concelho de Almeirim). Eu próprio (José Cebola) aí me desloquei e me dirigi ao Administrador, o qual me respondeu:- Diz a essa gente que não deem ouvidos a falsos boatos, inventados por certos canastros, pois os srs. lavradores juraram-me pela sua honra que cumpririam tudo quanto tinha ficado assente e eu, enquanto for administrador, vos juro, pela minha honra, que também os farei cumprir. E assim o fez. Mas com a queda do 1º governo provisório da republica, do sr. Dr. Teófilo Braga, pediu a demissão de administrador o dito António Vinagre. Nessa ocasião aproveitaram os lavradores para faltarem com o prometido, tanto em salários, como em horário. Como se se encontrassem pelas ruas bandos de trabalhadores sem trabalho, alguns mais exaltados dirigiram-se a alguns lavradores com modos bruscos e ameaças. Então os ditos srs. lavradores pediram providências ao sr. Governador Civil de Santarém. Este senhor enviou-lhes (aos lavradores) uma força de Artilharia nº 3 e 60 praças da Guarda Nacional Republicana e nomeou como administrador interino o antigo administrador Manuel da Silva Tendeiro. Este senhor, depois de estar à sua vontade, mandou chamar a antiga comissão de trabalhadores e disse-lhes: - os srs. lavradores e seareiros não estão dispostos a pagar-vos agora, nos tempos das vindimas, mais que 200 réis, portanto, se quiserem trabalhar por esse preço, vão, e se não quiserem mandamos vir gente de fora, que nos fica mais barato. É esta a razão por que os mandei chamar. Não quero aqui à porta ajuntamentos, vão para a Praça Velha e combinem lá o que quiserem.
Quando os trabalhadores souberam de tal procedimento, levantaram-se em massa, tocaram os sinos, os búzios e correram os campos, declarando-se em greve.
O sr. Tendeiro mandou, de novo, chamar a comissão de trabalhadores e outra dos srs. lavradores, dos quais faziam parte o sr. Ricardo Durão e José Malhou. Ali concordariam uns com os outros, mas, por exaltação, certos indivíduos não concordaram com um acordo que beneficiaria todos os inválidos do trabalho. Os ditos srs. lavradores comprometeram-se a meterem nos serviços de lagar todos quantos quisessem ou pudessem pelo preço e condições ajustadas. Os restantes incapazes desse serviço, tais como velhos e rapazes, é que ganhavam os 200 réis. 
Foi tal a estupidez de certos trabalhadores, que, sem olharem que os velhos na vindima não podiam ganhar os 240 réis, pois assim ganhariam mais que os válidos no lagar, que é um serviço mais pesado e com mais 5 horas de trabalho.
Ao outro dia, segunda-feira, já tinham concordado com o que as duas comissões tinham resolvido no domingo. Dirigiram-se, então, alguns trabalhadores ao sr. Ricardo Durão, dizendo-lhes que aceitavam a proposta apresentada no outro dia. Este senhor respondeu-lhes:- Ontem, depois da vossa comissão tanto trabalhar para que toda a vossa classe tivesse trabalho pelo preço que vocês combinaram, insultaram-nos e quiseram bater-lhes, deste modo nunca mais alcançarão o que lhes dávamos, agora façam o que entenderem.
Nesse dia começaram a prender os exaltados e, à noite, quando os trabalhadores vinham do serviço, estava o dito Tendeiro com uma lanterna na mão para conhecer os que passavam pela estrada que levava do campo à vila e onde ficava o prédio Leal. Esse senhor prendeu injustamente muitos homens e deixando à solta os mais culpados. Nessa noite mandou fechar as lojas logo ao pôr-do-sol.
Vendo os seus camaradas presos, os trabalhadores de novo tocaram os búzios e se juntaram, homens e mulheres, e foram a caminho do prédio Leal para pedirem a liberdade dos presos. Nessa altura, a Guarda Nacional Republicana começou a espadeirar e a pisar o povo sem que este lhe resistisse. Dispersaram todos para suas casas e prenderam-se mais pessoas. E Alpiarça em poder de tal gente, pois não havia trabalhador que tivesse a liberdade segura. Alguns andaram fugidos a montes, tais como Ventura Gatão, António Sardinheiro, Inácio Madeira, etc.
A primeira prisão que os trabalhadores tiveram foi a frasqueira do prédio Leal (nota do autor: Este local ainda existe. Entra-se nele, e eu já lá estive, por um alçapão que está na sala de entrada do actual posto da GNR). Aí se encarceraram mais de 40 pessoas que mal podiam estar de pé, onde permaneceram 5 dias e 4 noites. Dali foram levados por uma escolta de soldados de Santarém, cidade onde permaneceram mais alguns dias. Saíram porque quase todos foram afiançados e nunca chegaram a responder devido à greve geral dos operários de Lisboa declarada na Casa Sindical, bem como à greve dos rurais de Évora, tendo sido todos abrangidos por uma amnistia”.
A Associação de Trabalhadores Rurais de Alpiarça teve uma atuação decisiva e responsável nestas negociações, apesar de algumas das suas decisões e propostas não terem sido compreendidas por parte de alguns trabalhadores mais exaltados, como percebemos pelas palavras de José Nunes Cebola. No entanto, a direcção presidida por José Cebola não desistiu de continuar a defender toda a classe até que todos aqueles que tinham sido presos fossem libertados.
Iremos no próximo capítulo falar um pouco mais detalhadamente sobre José Nunes Cebola e a acção que desenvolveu para o fortalecimento do espírito de classe entre os rurais, não apenas de Alpiarça, como de toda a região. Depois abordaremos a formação da Associação de Vale de Cavalos apadrinhada pelos trabalhadores de Alpiarça.
E assim prestamos uma homenagem muito simples a esta classe humilde e trabalhadora que constitui a maior percentagem da população de Alpiarça.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito interessante. Parabéns ao Sr. Pais.
No entanto chama-me à atenção que algumas ruas de Alpiarça tenham os nomes dos ricos lavradores e nenhuma (que eu saiba) de algum dirigente do movimento dos operários rurais.
Será que existe alguma rua que tenha o nome de um dirigente sindical dessa época?
Não vejam neste comentário qualquer polémica, mas simples curiosidade.