Enviado por um leitor (*) |
O dia de ontem foi tão bonito que eu quase chorei: pela primeira vez na vida, vi socialistas penitentes. Socialistas arrependidos. Socialistas macerados. Socialistas a assinarem um manifesto onde admitem que durante seis anos pecaram muitas vezes por pensamentos, palavras, actos e omissões, por sua culpa, sua tão grande culpa.
Socialistas a criticarem “os seis trágicos anos do descalabro económico, financeiro e social, que foi a governação de José Sócrates”. Socialistas a afirmarem: “Nesse período sempre verificámos com angústia, como certamente muitos outros portugueses e socialistas, que o interesse nacional andou a reboque dos interesses partidários do grupo no poder.” E mais: “Sofremos o silêncio cúmplice de quem tinha a obrigação e o poder de evitar que o PS conduzisse Portugal para os braços da dependência internacional e para o sacrifício de milhões de portugueses.” E ainda: “Sejamos sérios, o actual governo é um mau governo, mas não foi este Governo que preparou o terreno para os cortes salariais, para as privatizações feitas sem critério e para o descrédito das instituições. Fomos nós, socialistas, que o fizemos, e quanto mais rapidamente o compreendermos melhor será para o PS e para Portugal.” Que bonito, meu Deus. Um grande aleluia para este manifesto.
Ajoelhemo-nos, pois, aos pés do Altíssimo, que isto é da ordem do milagre. É certo que o texto, ontem publicado no jornal i, só vinha assinado por quatro socialistas, e não dos mais conhecidos: António Gomes Marques, Henrique Neto, Joaquim Ventura Leite e Rómulo Machado. Mas também não vale a pena ser esquisito. O importante é começar por algum lado. No início do cristianismo também só havia 12 apóstolos e vejam o que aconteceu. Aliás, nessa mesma edição do jornal i, o bem mais notável João Proença juntava-se ao coro dos que estão mortinhos por enfiar cicuta na goela de José Sócrates, afirmando que “alguns sacralizaram o passado e não reconheceram os erros”.
Quais erros? Segundo Proença, a negociação “à pressa” de um memorando que tinha “muitas fragilidades” e a incapacidade de antecipar a “gravidade da crise financeira”, o que conduziu a “alguns sobreinvestimentos, nomeadamente em PPP”. Disse Proença: “Continuámos nessa política expansionista quando outros países já estavam em travagem.” Fixem, por favor, que ainda vai dar jeito: jornal i, ano 6, número 1608. Depois de três anos a levarmos obsessivamente com a narrativa da crise internacional e das dívidas soberanas, quatro socialistas saíram finalmente do armário. Eu vou guardar esta edição no cofre cá de casa.
E como acto de contrição com acto de contrição se paga, quero fazer aqui uma adenda ao meu texto de há uma semana. Nele explicava que António José Seguro tardava em reconhecer o seu falecimento político, e que daqui até Outubro estávamos condenados a levar com vários remakes de O Sexto Sentido, com o ainda líder do PS no papel de morto relutante, tal qual Bruce Willis. Ora, eu continuo convencido de que Seguro está bastante morto, e que não vai ressuscitar a 28 de Setembro. Mas se até lá tivermos três meses de enxovalhamento público do consulado de Sócrates, aí esta demora já vai valer a pena. O país está como o meu computador: precisa desesperadamente de uma limpeza no histórico. E a ser feita, então não estaremos n’O Sexto Sentido mas sim num excelente filme de zombies, com Seguro e sus muchachos à dentada aos socratistas. E isso eu já gosto. Porque eles merecem.
(*) Tirado da Internet
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