segunda-feira, 1 de abril de 2013

Alpiarça, um concelho da República

Por: José João Pais
 Com este texto pretendo comemorar o 99º aniversário da criação do concelho de Alpiarça que ocorre a 2 de Abril. Faço-o com um pequeno extrato retirado de um livro que ando a terminar e que gostaria muito de apresentar no próximo ano, quando o nosso concelho comemorar 100 anos de vida. Assim se conjuguem todas as boas vontades necessárias, desde logo da Câmara Municipal de Alpiarça. A minha disponibilidade é total nesta matéria.


Alpiarça, um concelho da República.

O caminho de Alpiarça, enquanto concelho, fez-se no século XX. Foi, no entanto, um caminho difícil, polémico, diremos mesmo, sinuoso. Muitos parlamentares contra, muitos outros a favor. Política intensa nos corredores parlamentares. Arregimentam-se solidariedades políticas. Chamam-se para o debate figuras cimeiras da República. Não foi, de facto, um percurso fácil para se chegar a 2 de Abril de 1914.
De facto, a partir de 1832, com a reforma administrativa preconizada por Mouzinho da Silveira e seguida, entre outros, por Passos Manuel, a regra foi a redução de concelhos e não o seu aumento. Em 1836, por via da extinção dos forais, os concelhos são reduzidos de 817 para 351 e, em 1910, esse número rondaria os 270 (CD. 9.2.14, p. 9). Os pequenos concelhos, incapazes de se governarem por si próprios, foram sendo extintos. 
Até aos finais da primeira década do século XX essa ideia manteve-se. De facto, entre 1837 e 1910 menos de meia dúzia de freguesias obtiveram autonomia administrativa. E no período que vai de 1910 e 1914 só a Nazaré o conseguira. Em causa estava apenas de mudança do nome do concelho, de Pederneira passou a Nazaré. À política que vinha a ser seguida de não estimular a criação de novos concelhos, acrescentava-se, em 1914, o facto de estar em discussão um novo código administrativo. Entre os artigos já votados na comissão do Senado estabelecia-se um mínimo de 10.000 habitantes para a formação de um concelho, mas na comissão da Câmara de Deputados esse número descia para 4.000 habitantes. O consenso ainda não existia nesta matéria. Alpiarça tinha então 6.600 habitantes, o que, a ser aprovada a proposta do Senado, impedia o seu desejo de ser concelho. Por outro lado, o acréscimo de despesas, que naturalmente a criação de um concelho teria, era proibido pela chamada lei-travão de 15 de Março de 1913, que impedia aumento de despesa além do que estava em Orçamento Geral do Estado. Por causa desta lei muitas freguesias tinham visto as suas pretensões rejeitadas. O cenário não era, pois, animador para as pretensões alpiarcenses. Mas para os promotores do novo concelho não havia obstáculos intransponíveis. O projecto vai mesmo em frente.  
A primeira etapa está reservada para a Câmara de Deputados a quem competia as iniciativas legislativas de maior relevância. Assim, na sessão de 12 de Janeiro de 1914 é apresentado um projecto de lei assinado por Queiroz Vaz Guedes e Francisco José Pereira “para que a freguesia de Alpiarça seja desanexada do concelho de Almeirim e constitua um novo concelho”. Fundamenta-se o pedido em razões de justiça e de aspirações do povo de Alpiarça, bem como na sua capacidade de gerar receitas para manter o novo concelho (S. 12.01.14, p.13).
Quanto aos proponentes, assinalemos que o Dr. Queiroz Vaz Guedes exercia nesta altura o cargo de Governador Civil de Viseu (terra natal da esposa de José Relvas) e era deputado pelo círculo de Pinhel (Marques, 2000, p. 241). Francisco José Pereira, natural do Cartaxo, povoação vizinha de Alpiarça, era deputado por Santarém. (Marques, 2000, p. 341). Acompanhava José Relvas desde os tempos da propaganda republicana.
O tiro de partida estava dado. A batalha verbal iria começar.
Tasso de Figueiredo é, no Senado, o rosto mais visível da contestação à proposta. O seu discurso é bastante crítico a este tipo de solicitações de natureza administrativa que aparecem avulso no Senado: “Eu sou inimigo intransigente dos pequenos concelhos e a razão é por que a pulverização dos concelhos traz consigo aumento de despesa e, por consequência um agravo ao contribuinte. Seria melhor esperarmos pela promulgação de novo Código Administrativo para sabermos como devemos proceder em assuntos desta ordem”. No seu entender, esta divisão de concelhos “obedece mais ao capricho de alguns influentes locais do que a qualquer fim útil” (S. 22.1.14, p.15). Sustenta a sua tese apontando para o caso de idêntico pedido feito pela freguesia do Bombarral, que já vinha de 1912, e que foi rejeitado por estar incurso na chamada lei-travão. João de Freitas confirma essa situação baseado na opinião do Ministro das Finanças que lhe dissera, que “não podia deixar de reconhecer que a criação do novo concelho importava aumento de despesas, porque era necessário nomear um tesoureiro de finanças, fiscais de impostos, criação duma secretaria da Câmara Municipal e ainda outras despesas” (S. 6.2.14, p.6). 
Adiar passava a ser agora a palavra de ordem dos que se opunham à proposta de Alpiarça. Sousa Câmara propõe a 6 de Fevereiro que se vote o adiamento, pois “é conveniente esperar pelo Código Administrativo. Desta forma não se pode estar a fazer um trabalho consciencioso”, posição que é aplaudida por Ladislau Piçarra, “só depois de haver uma lei a regular a descentralização administrativa… é que as freguesias deverão requerer as suas desanexações” (S. 6.2.14, p.5).
No Senado, é José Pádua quem dá a cara em defesa das aspirações dos alpiarcenses. O médico algarvio, também músico distinto, é filiado no Partido Republicano desde 1903 (Marques, 2000, p.334). Na sessão de 22 de Janeiro diz que irá defender este projecto como o faria com qualquer outro. No entanto sempre acrescenta que, embora rejeite votações por afinidades políticas, “nós devíamos ter uma certa simpatia pelo concelho que foi sempre baluarte da República, e nestas condições eu dou o meu voto ao projecto” (S. 6.2.14, pp.4-5). É, assumidamente, um voto político. Daniel Rodrigues, um magistrado filiado no Partido Republicano (Marques, 2000, p.377), junta a sua voz aos defensores da causa alpiarcense.
Mas a criação do concelho de Alpiarça parece estar ameaçada. Não há certezas quanto à sua aprovação. Opositores e defensores parecem ser em número muito igual.
Paira no ar a sensação de que se prepara o adiamento sine-die da votação, ou mesmo de rejeição, como acontecera com Bombarral. As “tropas” de Alpiarça tocam a reunir e resolvem chamar os “Generais” para assumir a condução da “batalha”, sob risco de se perder definitivamente a guerra. Era necessário exercer uma pressão mais activa sobre os senadores. Na manhã de 9 de Fevereiro chega à mesa um telegrama enviado pela Junta de Paróquia de Alpiarça a pedir a votação imediata do projecto e rejeitando qualquer adiamento. Preparava-se o cenário para o assalto final. Um observador atento notará, então, a presença de um Senador que há quase 3 anos ali não era visto. Era José Relvas. Tinha sido eleito em 1911, mas suspendera o mandato para ser Embaixador em Espanha. Estava prestes dirigir-se à assembleia. Havia que garantir o bom fim da proposta de Alpiarça, pois nesse dia seria posto à votação o seu adiamento.
A credibilidade de Relvas era evidente. Na sua folha de serviço constavam grandes serviços prestados à República. Não admira que tenha sido chamado a intervir neste momento delicado para Alpiarça. A sua intervenção era aguardada com expectativa.
Esta presença apanha quase todos de surpresa. O próprio José Relvas não pensaria, dias antes, nessa possibilidade. De facto, nem estava inscrito para falar. Tem que pedir autorização à Camara para defender a proposta no período de antes da ordem do dia. Começa, então, por referir que a sua presença se destina a esclarecer os senadores antes de ser votado o adiamento. Realça o republicanismo da terra e acentua a viabilidade económica do projecto. Salientará que, “por agora basta dizer que os recursos financeiros do novo município são suficientes para a sua vida autónoma, que tem os elementos necessários para se administrar, população suficiente para justificar a sua existência independente, nem sequer lhe faltando o edifício para sede de todas as repartições municipais e do Estado...”.
Depois desta intervenção passou-se imediatamente à votação da proposta de adiamento. Esta é rejeitada por 26 senadores, contra 22 que votaram a favor. De seguida, procede-se à votação, na generalidade, da proposta de lei, que também é aprovada. Respira-se de alívio nas hostes alpiarcenses. O esforço final resultara em pleno. O que viesse a seguir já não poria em causa o essencial, e o essencial era a criação do concelho de Alpiarça. 
A discussão na especialidade é o passo seguinte. Procede-se à análise artigo por artigo. A discussão volta a ser inflamada. Os opositores não desarmam sobretudo no que se refere à capacidade financeira e ao aumento de despesas para o estado que a criação do novo concelho iria implicar. No entanto, os defensores da proposta alpiarcense não se desunem e vencem todas as votações. Depois de muitos avanços e recuos, a vitória final. A 2 de Abril de 1914, o Diário do Governo publica a Lei n.º 129, cujo artigo 1.º refere que “a freguesia de Alpiarça é desanexada do concelho de Almeirim, para ficar constituindo um concelho autónomo, com sede na vila da respectiva freguesia”.
A votação favorável à criação do concelho de Alpiarça deu brado. Foi o momento decisivo que “obrigou” os deputados a reverem posições anteriores. Agora, em coerência com aquela decisão, “terão” que permitir a constituição de outros. Todas as velhas aspirações foram desenterradas e descongeladas a 2 de Abril. Novas unidades administrativas brotam então instantaneamente, como semente lançada à terra em dia favorável. Com efeito, no mês de Maio conseguem atingir os seus objectivos, a Ribeira Brava a 6, Alcanena a 8 e Sines a 19; no mês seguinte vêm, Sº. Brás de Alportel a 1, Castanheira de Pêra a 17 e Bombarral a 29. Tinha razão o Senador Tasso de Figueiredo ao dizer na sessão de 5 de Março de 1914, quando já se vislumbram no horizonte novas propostas, “realiza-se o que profetizei. Criado um concelho, temos de votar todos os dias a criação de novos concelhos” (S. 5.3.14, p.14). João de Meneses também já adivinhava situações deste género, “daqui a pouco há um concelho em cada rua!” (CD. 15.1.14, p.4). Ladislau Parreira, por seu lado, ao discursar no Senado em 9 de Junho de 1914, penitencia-se do que considera ter sido um erro de Senadores e Deputados, ao permitirem a criação de novos concelhos. Estava-se “a dar ao país a impressão de que toda e qualquer freguesia, sob qualquer pretexto, se podiam desanexar dos concelhos a que estava ligada até aqui”. Mas estes lamentos já não poderiam alterar a marcha dos acontecimentos. Alpiarça era concelho. A voz de José Relvas foi determinante.
Siglas utilizadas: S=Senado; CD=Câmara de Deputados

1 comentário:

  1. Parabéns José João Pais e obrigado por mais este contributo em prol da nossa cultura histórica local.
    O ano que vem, lá estaremos para o lançamento de mais um trabalho que nos deve orgulhar a todos.
    "Cada um vale pelo que faz e não por aquilo que diz fazer."

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