Paulo Portas já estava há mais de duas horas perante os deputados da comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros e nem uma palavra se tinha ouvido - nem da maioria, nem da oposição - sobre o facto do ministro se ter demitido há uma semana, lançando o país na mais grave crise política em muitos anos.
A primeira parte da audição foi sobre a questão do avião do presidente boliviano, o caso Snowden e a espionagem global dos EUA. Depois, na segunda parte, foi um potpourri de assuntos de política externa - da Síria à Líbia, de Dilma Rousseff a Nicolas Maduro, da Guiné à Venezuela, do ensino de português no estrangeiro à reforma da rede consular, dos dentistas brasileiros em Portugal aos engenheiros portugueses no Brasil...
PSD e CDS, claro, ignoraram o terramoto político provocado na semana passada pela demissão de Portas. O PS também - primeiro, pela voz de Maria de Belém Roseira, depois através de Paulo Pisco. Nem uma vírgula sobre a demissão de Portas, a crise que se seguiu, o seu impacto internacional. Não foi assunto, nem ao de leve.
"Audição sui generis"
"Esta é uma audição um bocadinho sui generis,", disse, por fim, o comunista Bernardino Soares, às 19h23. A reunião decorria desde as 17h. "Cheira um bocadinho a fim de ciclo, mas não vamos ignorar que é esse o ponto político onde estamos." Sobre a intervenção de Portas, que tinha feito o balanço dos últimos dois meses como chefe da diplomacia portuguesa, o líder parlamentar comunista notou que o ministro "veio aqui aos restos".
"As políticas que o seu Governo tem vindo a levar a cabo merecem veemente condenação (...) mas nestes últimos dias acrescentou-se a isto a completa descredibilização do Governo e dos titulares de cargos públicos, incluindo o senhor", acusou Bernardino Soares. "Penso que terá consciência da forma de absoluta rejeição com que hoje os cidadãos portugueses olham para tudo o que se passou nos últimos dias", afirmou o deputado do PCP, considerando que "atingimos um ponto insuportável do ponto de vista do regime democrático, do regular funcionamento das instituições e da política que tem sido seguida."
Seguiu-se Helena Pinto, do BE, que voltou a por o dedo na ferida. Se o objectivo era falar "dos acontecimentos importantes desde a última audição", a bloquista lembrou um desses acontecimentos importantes: "O sr fez uma carta que entregou ao primeiro-ministro e foi pública. Vivemos uma semana em que o País de hora a hora era surpreendido com novos problemas e novas crises dentro coligação."
"Seria inimaginável que estivesse nesta comissão e ignorássemos esta semana em que a politica baixou ao grau zero", afirmou Helena Pinto. "Provavelmente vai dizer que hoje não fala disso, mas não há por onde fugir. Mais tarde ou mais cedo vai ter de explicar ao País o que é 'irrevogável' e o que é 'dissimulação'."
Portas não só não respondeu como nem se deu ao trabalho de explicar que não ia responder. O debate prosseguiu. Ninguém voltou a insistir no assunto. O ministro fez "reflexões" várias e deu muito palco ao secretário de Estado José Cesário. Falou-se de vistos gold, de permanências consulares, de concursos para adidos e até do consulado de Ontario, no Canadá, que há tempos trabalhou até as 4 da manhã. Mas não se falou do que se passou nos últimos dias no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Portas, que chegou à comissão com ar pesado e rosto fechado, saiu leve e sorridente. As bancadas da coligação também.
«Expresso»
1 comentário:
O PS como o maior partido da oposição nem para oposição serve.
Estando na presença de um pilantra governamental não foi capaz de lhe perguntar absolutamente nada.
Ainda o PS quer ser governo.
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