segunda-feira, 9 de junho de 2014

OPINIÃO: De Lisboa a Penamacor, são 30 anos de distância

De: Pedro Miguel Ribeiro (*)
É domingo. Estou no meu gabinete a trabalhar. A tentar colocar em dia aquilo que as presenças e solicitações do fim-de-semana não deixaram. Estou a ouvir a nova música do Pedro Abrunhosa “Para os braços da minha mãe”. Lembro-me bem de como era difícil este dia nos tempos de estudante na capital. O deixar a família para viver uma semana em Lisboa, sem amigos, num quarto, num tempo em que a televisão tinha apenas dois canais e as saudades se matavam comprando cartões pré-pagos para se usar nos telefones públicos.
Foi nesse longínquo ano de 1992 que iniciei a minha participação política. Jovem da província, sem conhecer ninguém queria apenas fazer algo para mudar o meu País. Sem sonhos de lugares, apenas com a utopia de ser diferente. A primeira vez que estive numa reunião com um deputado senti-me a pessoa mais importante do mundo. Sempre achei que não era normal o tal jovem da província, que não conhecia ninguém privar com “gente” tão importante. O tempo foi passando. A participação foi aumentando mas esta primeira reunião, aquilo que senti nunca esqueci. Aliás recordo bem, várias recomendações do meu pai que não se cansava de dizer que alguém da província, de uma família onde a mãe era auxiliar de cozinha e o pai operário não podia aspirar a nada de muito importante. Era assim a vida e não valia a pena lutar contra isso.
Acreditem que hoje, passados mais de 20 anos, nunca me esqueço do que fui e onde comecei. É por isso que hoje aqui estou, ao domingo a trabalhar porque entendo que o dever de um político é estar, sempre junto de quem o elege. É por isso que amanhã às 8h estarei nos estaleiros da Câmara. Para junto com aqueles que ganham, muitas vezes, pouco mais que o salário mínimo, e no entanto estão, todos os dias, disponíveis para trabalhar por este País, faça chuva ou faça sol, continuar a fazer aquilo que esperam de nós. Podemos não fazer tudo bem, mas pelo menos temos a consciência tranquila de ter feito tudo o que nos é possível. Com honestidade e genuína preocupação.
Depois do que tenho visto nestas ultimas duas semanas, há uma tristeza que me invade. Uma tristeza que se expressa na tal música do Abrunhosa. Sou socialista e republicano, porque acredito que todos temos os mesmos direitos e devemos ter as mesmas oportunidades. Porque se assim não fosse hoje não seria Presidente de uma Câmara.
É por um País diferente que luto todos os dias. Um País que não se resuma a Lisboa. Onde a intriga palaciana decide a vida de todos nós. Onde algumas famílias dominam a vida politica, social e económica de Portugal. Tenho a certeza que já tivemos muitos ministros de qualidade, outros nem por isso. Mas há algo que sei. Apenas aqueles que passaram por certas coisas lhe dão o devido valor. Nunca fui emigrante, mas sei que quem já o foi recorda com saudade e nostalgia aquelas pequenas coisas que muitos de nós não dá valor. É assim também na política. Quero um primeiro-ministro que saiba o que é querer ter algo e não conseguir porque pura e simplesmente a sua família não lhe podia dar. Quero um primeiro-ministro que saiba o valor da interioridade. Que saiba o que custa sair de casa para estudar ou trabalhar fora. Esse meu primeiro-ministro dará valor a coisa que outros nunca darão. Não porque não queiram fazer bem, mas porque não o sentem.
Quero um primeiro-ministro de Penamacor, que saiu de lá destinado a ser apenas mais um licenciado e “teve a ousadia” de querer governar Portugal. Ousadia que deixa muita gente em polvorosa, por não o conseguir controlar. Quero um primeiro-ministro que mesmo após 30 anos se lembre de como é viver fora da capital e de tudo o que ela proporciona. Quero um primeiro-ministro que nunca se esqueça de onde veio. Quero um primeiro-ministro que saiba dar o valor à educação pública porque sem ela ainda seria comerciante no interior deste nosso Portugal. Quero um primeiro-ministro que oiça esta música e se indigna com aquilo que se passa em Portugal.
Para muitos o que se passa no PS é uma luta de poder. É verdade que é, mas por motivos diferentes do que se possa pensar. É uma luta entre ideias para um País. De quem o pode ou deve, quase que por direito “monárquico” governar.
A política faz-se todos os dias, com as pessoas. Ouvindo e estando presente. Faz-se resolvendo o problema do caixote do lixo, do buraco da calçada. A política faz-se também nos corredores do poder, mas sempre com o objetivo de mudar a nossa comunidade. A política não se faz apenas no comentário político. Nas televisões ou nas redes sociais. Sem presenças, sem conhecimento da realidade. A política não é virtual porque as pessoas também não o são. Já disse que primeiro-ministro quero mas não disse que deputados não quero. Não quero os que não conhecem os locais onde vivem pessoas que votaram neles. Que não conhecem os seus costumes e linguagem específica. Que se recusam a palmilhar os caminhos, vales e cabeços deste nosso Portugal porque para eles a vida política são os” passos perdidos” da Assembleia da Republica e as “dicas” que dão a certos jornalistas.
Todos nós podemos ser tudo, mas temos de ser sobretudo verdadeiros e honestos. Em política a verticalidade e a honradez é das poucas coisas que ainda podem fazer a diferença.
Quero que o próximo primeiro-ministro se lembre que há centenas de milhares de pessoas que saírem de Portugal e que querem como diz a música regressar para os braços das suas mães. Querem apenas a felicidade.
É por tudo isto que entre Penamacor e Lisboa não hesito. Não tem a ver com o mais ou menos estilo. Com mais ou menos visibilidade. Com mais ou menos amigos. Tem a ver com algo que não se ensina nem se consegue esquecer. Tem a ver com o querer e não ter, porque não há. Tem a ver com o triunfar quando a sociedade está formatada para não deixar. Quem sempre teve poder muito dificilmente pode ser humilde a usar esse poder. Quem se lembra de não o ter tenho a certeza que o usará com parcimónia e para o bem de todos.
Por não me esquecer de onde vim e do que fui e sou nunca podia mudar de lado ou escolher outro para ser o meu candidato a mudar Portugal. Sei que não é possível a todos, mas deixo um desafio aos que tiverem possibilidade de o fazer. Vão a Penamacor. Passem por lá umas horas e depois digam-se se alguém que ali nasceu, cresceu e apesar de lá ter saído por obrigação, regressa sempre que pode não é alguém em quem se possa confiar. Eu tenho a certeza que é. 30 anos depois entre Lisboa e Penamacor não tenho qualquer duvida.
Escrevi todo este texto a ouvir o Abrunhosa. Amanhã é outro dia. Mas que seja um outro dia mais próximo de uma nova politica que torne apenas memoria a letra desta música. É apenas isso que me interessa.
Este texto foi-nos  gentilmente  cedido pelo autor e autorizada a respectiva  publicação
(*)Presidente da Câmara Municipal de Almeirim

Sem comentários:

Enviar um comentário