Por: Isabel Faria |
A Nazaré
era a "nossa" praia. No final dos anos 60 e inicio dos anos 70, o
Algarve ficava no fim do mundo. Não tínhamos carro e apanhávamos o autocarro,
cedinho de manhã, na Rua Direita. Fui poucas vezes com os meus pais - não havia
dinheiro para isso. A maioria das vezes ia com os meus avós. Eles alugavam uma
casa e íamos de malas aviadas. Demorávamos uma manhã a fazer 100 km.
A imagem
que tenho destes anos era esta. Os homens partiam para a faina e as mulheres
esperavam-nos às portas de casa. Ou na praia. Usavam sete saias e sim, grande
parte das vezes, recordo-as de negro. De noite, a sirene tocava. Havia
tragédia. Em segundos, as mulheres de preto da imagem saiam de suas casas
(muito mais tarde alguém me disse que enquanto os maridos ou os filhos andavam
no mar, dormiam sempre vestidas). As ruas enchiam-se de mulheres que corriam
para a praia. Fizesse Sol ou fizesse chuva, estivesse o mar calmo ou revolto, a
vida obrigava os homens a partir para o mar. E as mulheres a esperarem por
eles. Rezando.
Não sei
se a sirene continuava a tocar. Não me lembro como acabava a noite. Recordo que
um ano, a senhora que nos alugou a barraca da praia não a veio fechar, ao
inicio da noite, como fazia sempre. Veio um rapaz, ainda quase um menino,
vestido de preto.
Nazaré- Anos 60 .... |
O meu tio
ficou no mar, disse-nos. Perante o olhar assustado da minha avó, disse
baixinho: é nossa vida. Já nos habituámos. Eu não fazia ideia o que era a
morte.
Estive
muitos anos sem voltar à Nazaré. Muitos anos mais tarde, voltei e vi o porto de
abrigo dos barcos. Nunca ouvi a sirene de noite. Destas últimas vezes não
guardo nenhuma memória de mulheres vestidas de preto.
Os
maridos delas e os filhos continuavam a partir para ganhar a vida, mas tinha-se
conseguido evitar que cada viagem fosse um passo certo para uma morte
anunciada. E precoce.
É verdade
que também ajuda a total ausência de negro da minha memória, o facto de as
últimas vezes que estive na Nazaré, ter estado com os meus pais e o meu filho.
E já há muito ter sido Abril.
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