Não cresci numa família católica. A minha mãe sempre
foi católica, mas sempre foi a única lá em casa.
Não tenho, pois, muitas memórias desta
semana…como não tivemos televisão até muito tarde nunca tive que ver as
emissões continuas da Última Ceia e da Paixão de Cristo e só dávamos pela
Páscoa lá em casa, antes do Domingo de Páscoa em que íamos almoçar a casa dos
avós, porque a minha mãe não fazia carne na Sexta Feira Santa (ela não comia
toda a semana…mas o meu pai e eu éramos demasiado ateus e comilões
para tal sacrifício) e porque a minha mãe não fazia limpezas, nem
lavava roupa, nem ia à horta do nosso quintal, na Quinta feira à tarde e Sexta
de manhã. E recordo ouvir histórias assustadoras sobre desgraças que tinham
acontecido a quem pecara e apanhara uma couve ou caiara a parede de casa...
Ouvia-as com um sorriso. …e o meu pai, perguntava, o que é que queres, coisas
da tua mãe…Mas, pelo sim, pelo não, nunca ia apanhar couves naqueles dias…o que
era óptimo para quem nunca teve muita queda para o trabalho do campo…
Lembro-me que um ano, não faço ideia quando mas deve ter sido já muito
perto do 25 de Abril, talvez 72 ou 73, estavam os meus pais emigrados em
França, entrei num coro da Igreja com amigas e colegas…mas, confesso que só me
lembro dos rebuçados que o Padre nos dava para aclarar a voz, de ter estreado
um macaco castanho de calções um bocado curto… e de me terem dito que aquilo
não era próprio para cantar no coro da Igreja…apaixonadíssima pelo macaco, e um
bocado teimosa, qualidade e defeito que mantive ao longo dos anos, decidi logo
ali que ou ia com ele vestido ou acabava-se o meu momentos de participação em
cerimónias religiosas…fui de macaco. A participação terminou na Segunda-feira a
seguir à Páscoa…mas, ainda há muito pouco tempo, sabia cantar o Aleluia...com
letra e tudo. E não era a do Leonard Cohen…era mesmo a que o padre nos tinha
ensinado.
E da Páscoa ficaram cheiros. O cheiro ao frango corado
e ao arroz de forno da avó Inês no Domingo (nunca mais houve nem haverá um
arroz de forno assim!) e o cheiro às bolachinhas de manteiga da minha mãe. Ao
Sábado já se podia trabalhar e eu sentava-me num banco de madeira com um
buraquito ao meio, tinha que colocar os pés na trave de madeira porque não
chegava ao chão e estava sempre a abanar os pés e a minha mãe dizia, nunca
paras quieta rapariga, e enquanto falávamos da vida que, na altura, era a escola
e mais as galinhas e os coelhos e o meu pai, fazia bolinhas que,
cuidadosamente, colocava no tabuleiro…Não faço ideia porque tínhamos que comer
bolachinhas de manteiga na Páscoa…mas tínhamos. Para mim foi sempre um dogma
doce…e, por isso, inquestionável.
Até a minha mãe partir tivemos sempre as
amêndoas e as bolachas de manteiga à nossa espera quando íamos a Alpiarça. Mas
a vida há muito que me tinha tirado tempo para com ela fazer as bolinhas…Coisas
parvas da vida. Quando, finalmente, crescemos para chegar com os pés ao chão e
a nossa mãe não ralhar porque somos desinquietos…deixamos de ter tempo para com
ela falar das galinhas e dos coelhos do quintal.
Depois, um dia, já não temos nem amêndoas
nem bolachinhas de manteiga à nossa espera quando vamos à terra. E o frango
corado sabe a tudo, menos ao frango corado da nossa Páscoa de meninos.
Crescer muito cansa.
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