Avaliação dos imóveis pelas Finanças está a levar proprietários a
quererem doar casas e prédios a instituições de solidariedade. Mas o
«presente envenenado» dificilmente é aceite.Centenas de proprietários
de casas e prédios, em Lisboa e no Porto, estão a tentar
desesperadamente vender ou mesmo doar os imóveis por não conseguirem
pagar os aumentos no IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) e no imposto
de selo, exigidos pelas Finanças.
Ramiro Marques, professor
universitário, é um deles. «Neste momento, admito doar a casa à
Misericórdia, mas não será fácil entregar um imóvel que tem inquilinos.
Ninguém o quer», desabafa ao SOL.
O docente herdou do avô um
pequeno apartamento de 60 metros quadrados no Entroncamento, que está
arrendado. Apesar de não estar em bom estado e o acesso ser feito por um
logradouro, as Finanças avaliaram-no em 60 mil euros. Após protestar, o
valor foi corrigido: caiu para 20 mil euros na segunda avaliação, com
um IMI de 60 euros por ano.
Ora, o imóvel está alugado há
dezenas de anos a uma idosa, que paga três euros de renda mensal. «Não
tenho coragem de lhe pedir mais», diz Ramiro Marques, que se sente de
mãos atadas: «Fui confrontado pelas Finanças para pagar um valor de IMI
que é quase o dobro do valor anual das rendas que recebo».
O
professor admite, por isso, desafazer-se do imóvel, doando-o a uma
instituição de solidariedade. «Admito fazer uma doação à Misericórdia,
mas as pessoas com quem falei informalmente avisaram-me que dificilmente
será aceite um imóvel com inquilinos».
Lei não permite renúncia à propriedade
O
presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP) conhece bem
esta realidade. Às mãos de António Frias Marques já chegaram vários
casos de pessoas que procuram vender os imóveis – tentando mesmo que as
Finanças os comprem por um valor inferior ao avaliado – ou que os
tentam doar: «Há muitas pessoas a quererem doar os imóveis que têm
porque não conseguem pagar o IMI», refere o responsável, sobretudo no
Porto.
O problema destas doações é que ninguém quer receber uma
«herança envenenada», mantendo casas que, na sua maioria, se encontram
em mau estado e com inquilinos a pagarem rendas baixíssimas, porque
representam um encargo.
«As doações têm de ser aceites por
terceiros e ninguém vai querer receber património que implique despesa» –
reconhece Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de
Proprietários, que também tem sido confrontado com o desespero de
associados. E como a lei «não permite a renúncia à propriedade, as
pessoas ficam sem alternativas».
Prédios devolutos avaliados em 1 milhão de euros
A
situação – que já levou proprietários a anunciar nos jornais a doação
de imóveis – não é nova, mas tem-se agravado e a tendência é para piorar
, alertam aquelas duas associações. Até porque o aumento da factura do
IMI tem sido condicionado, graças a uma cláusula de salvaguarda prevista
na lei (o valor vai subir progressivamente até 2015, quando passa a ser
pago o valor total que resultar da reavaliação dos imóveis).
Mas
neste momento coloca-se, em muitos casos, o problema do imposto de
selo extraordinário, exigido este ano. «Há prédios devolutos no centro
de Lisboa, que as Finanças avaliaram em um milhão de euros, exigindo aos
proprietários o pagamento de oito mil euros de imposto» – revela
Menezes Leitão, lembrando que os donos não tiram qualquer rendimento
desse património, que têm dificuldade em vender, e vivem situações de
«pesadelo».
E houve ainda proprietários de casas muito abaixo de
um milhão de euros que foram notificados mesmo assim para pagar o
imposto de selo, uma vez que as Finanças somam o valor de cada uma das
fracções para calcular o do prédio. A associação avançou já com um
pedido de inconstitucionalidade deste imposto, mas teme que muitas
pessoas não tenham conseguido pagar, correndo o risco de ver o prédio
executado.
«SOL»
Podemos aceitar o seu imóvel caso tenha interesse em doá-lo.
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