segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Fragmentos da História de Alpiarça: "A morte de Manuel Vital"

Por: José João Pais

Irei abordar brevemente os acontecimentos que rodearam a morte de Manuel Vital. Deixo-vos os primeiros apontamentos. É assunto emocionante e controverso. É parte da história palpitante de Alpiarça e de muitos dos seus habitantes. Gente generosa, lutadora por ideais, mas essencialmente muito humana. Vemos os problemas de Manuel Vital com a família “às costas”, de terra em terra, com os filhos de tenra idade para alimentar, fugido da vida normal, enfim, na clandestinidade. É-me difícil imaginar tal viver. Por isso, vou trazendo estas vidas a público. Para se conhecer. Para lembrar. Sinto que é um dever meu e uma homenagem muito sentida a quem renunciou muitas vezes à sua própria juventude e à sua família, em luta por ideais. Não sou eu que vou dizer se são ideias certas ou erradas. Eles julgaram ser o caminho correcto a percorrer naquele momento. Isso basta-me. Vamos então às primeiras pinceladas sobre Manuel Vital.
Foi ainda sob os ecos da morte de Alfredo Lima e do clima repressivo que se abateu sobre Alpiarça que se soube, seis meses mais tarde, através de notícias em jornais, da morte de Manuel Vital.
Efectivamente, a 18 de Novembro de 1950, uma semana depois de ter completado os 35 anos, é assassinado no lugar do Pereiro, perto de Alcochete, Manuel Lopes Vital, funcionário do Partido Comunista Português, na clandestinidade, e organizador de algumas movimentações importantes em Alpiarça e um pouco por todo o Ribatejo. A acção partidária mais relevante de Manuel Vital viria, contudo, a desenrola-se no Alentejo, decorriam os anos de 1948/49 e 50, pois foi o responsável por uma vasta área que ia desde a região da Moita até ao concelho de Odemira.
Vital nasceu no dia 12 de Novembro de 1915 (fazia este mês 97 anos). Por volta de 1943 é aliciado para entrar como militante activo no Partido Comunista Português, pela mão de Saúl Fernão Pires Leal. Trabalhava então para o Dr. Dias Pereira, na casa “Meira”. Intervém activamente na mobilização dos trabalhadores durante as movimentações que levaram às greves de 1943 e 44. A sua militância aguerrida, a facilidade de relacionamento que demonstrava, a sua inteligência e perspicácia, vocacionavam-no certamente para altos voos em termos partidários. Não admira que a
certa altura comece a ter “tarefas” de maior responsabilidade e se equacione a sua entrada na clandestinidade.
“Teria eu aí uns 8 anos e lembro-me perfeitamente de ver o Manuel Vital a distribuir uns papéis pelos trabalhadores, na altura era muito novo e não me apercebi do que se tratava, hoje estou convicto que era propaganda politica”, refere António Barata Fragoso, que andava sempre pelas herdades da Casa Meira, onde o pai era guarda e acredita que estas foram das primeiras tarefas que levou a efeito.
“O Manel tinha como primeira missão nas Meiras levar, num carro de bois, as achegas para os trabalhadores (vinho e água), por isso tinha que estar pronto ainda muito antes do nascer de sol, para partir para os locais destinados aos trabalhos do dia. Pois ele levantava-se ainda mais cedo, por volta das 4 horas da manhã, e ia distribuir o Avante pelas estradas do campo e por algumas casas das redondezas. Vinha, aparelhava os animais, preparava o carro e ia para o trabalho sempre com um sorriso nos lábios. À noite escrevia cartas e documentos contra a exploração que os patrões faziam aos trabalhadores naquela altura, depois meti-os em cartas e enviava-as para os diversos destinatários. Para não dar nas vistas e para que as cartas não tivessem o carimbo dos correios de Alpiarça, íamos a Santarém pô-las. O nosso transporte era quase sempre a bicicleta”, conta-me Manuela Pratas Perpétua, viúva de Manuel Vital e ainda viva, que, com um brilho intenso nuns olhos já cansados, continua a desfiar recordações “nunca o vi triste, era muito alegre e toda a gente gostava dele; falava muito bem, era muito educado e tinha outra característica muito apreciada, é que cantava muito bem, no fim do trabalho tinha sempre uma canção pronta a sair, o que fazia com que, na maioria das vezes, ele fosse o centro das atenções. Era este feitio muito especial que fazia com que conseguisse mobilizar os trabalhadores com mais facilidade e incutir-lhes as ideias politicas que tinha. Além disso, era uma pessoa muito inteligente, ele andou na escola e tirou a 4ª classe com distinção, o que na altura não acontecia com frequência, para mais na sua condição de pessoa com origens humildes; havia poucos môços da sua idade, tão espertos como ele”.
“Eu também guardo essa imagem do Manuel a cantar aos fins de tarde, quando acabava o trabalho, ou num bailarico de final de colheita”, recorda António Barata Fragoso, para logo acrescentar, “ainda hoje me emociono quando me vêm à memória os versos de uma canção de que ele gostava muito de cantar:
Hei-de fazer uma casa
No mais alto lugar
Com uma porta e uma janela
Para eu nela habitar
Quando eu chego à noitinha
Cansado de trabalhar
Encontro à minha porta
O meu filhinho a brincar”
“O Manel gostava muito da actividade partidária e dava tudo pelo Partido”, refere Manuela Pratas Perpétua, “ainda me lembro que a sua primeira contribuição foi de 1$00 e sua obsessão em ajudar e contribuir era de tal forma, que em certa altura criou uma cabra e depois fez uma rifa, cuja receita foi para o Partido; outra vez, tínhamos nós um bom gramofone, que era coisa rara, e rifa-o também com o mesmo fim”. Para já, fiquemos com estes apontamentos. Dentro de dias iremos centrar as nossas atenções sobre a História da vida de Manuel Vital. Iremos abordar, essencialmente, a sua actividade politica, que foi, de facto, importante. O assassinato de que é vítima será consequência dessa actividade? É muito provável que sim, como teremos ocasião de constatar. Mas o mistério e as zonas de penumbra informativa que rodeiam o aparecimento do seu cadáver são muito grandes. Procuraremos deixar ao leitor a última palavra e a última reflexão sobre a leitura dos documentos apresentados e que conseguimos reunir.
 Bibliografia – Pais, José João Marques, “Gente de Outro Ver” -
CONTINUA EM BREVE -

2 comentários:

  1. Gosto imenso de jornalismo investigativo.
    E este Senhor tem bagagem, é honesto nos seus trabalhos.
    Parabens J. João

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  2. Ó Pais, cuidado com o que vais escrever, porque quem tramou o Manuel Vital também te pode tramar.
    Os tempos são outros mas há muitas pessoas que não gostam de ouvir falar as verdades.

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